quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Lindo poema de Herberto Hélder para todos os madeirenses


Aqui fica mais um lindo poema do autor,Herberto Helder, nascido no Funchal, ilha da Madeira, no dia 23 de Novembro de 1930.A todos os madeirenses não falte a esperança e o ânimo para reconstruir essa linda terra de flores e natureza ímpar.


EM SILÊNCIO DESCOBRI ESSA CIDADE NO MAPA

Em silêncio descobri essa cidade no mapa
a toda a velocidade: gota
sombria. Descobri as poeiras que batiam
como peixes no sangue.
A toda a velocidade, em silêncio, no mapa -
como se descobre uma letra
de outra cor no meio das folhas,
estremecendo nos olmos, em silêncio. Gota
sombria num girassol. -
essa letra, essa cidade em silêncio,
batendo como sangue.

Era a minha cidade ao norte do mapa,
numa velocidade chamada
mundo sombrio. Seus peixes estremeciam
como letras no alto das folhas,
poeiras de outra cor: girassol que se descobre
como uma gota no mundo.
Descobri essa cidade, aplainando tábuas
lentas como rosas vigiadas
pelas letras dos espinhos. Era em silêncio
como uma gota
de seiva lenta numa tábua aplainada.

Descobri que tinha asas como uma pêra
que desce. E a essa velocidade
voava para mim aquela cidade do mapa.
Eu batia como os peixes batendo
dentro do sangue - peixes
em silêncio, cheios de folhas. Eu escrevia,
aplainando na tábua
todo o meu silêncio. E a seiva
sombria vinha escorrendo do mapa
desse girassol, no mapa
do mundo. Na sombra do sangue, estremecendo
como as letras nas folhas
de outra cor.

Cidade que aperto, batendo as asas - ela -
no ar do mapa. E que aperto
contra quanto, estremecendo em mim com folhas,
escrevo no mundo.
Que aperto com o amor sombrio contra
mim: peixes de grande velocidade,
letra monumental descoberta entre poeiras.
E que eu amo lentamente até ao fim
da tábua por onde escorre
em silêncio aplainado noutra cor:
como uma pêra voando,
um girassol do mundo.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Pensamentos e Reflexões de autores portugueses























"Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida. A música embala, as artes visuais animam, as artes vivas (como a dança e a arte de representar) entretêm. A primeira, porém, afasta-se da vida por fazer dela um sono; as segundas, contudo, não se afastam da vida - umas porque usam de fórmulas visíveis e portanto vitais, outras porque vivem da mesma vida humana. Não é o caso da literatura. Essa simula a vida. Um romance é uma história do que nunca foi e um drama é um romance dado sem narrativa. Um poema é a expressão de ideias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso."
FERNANDO PESSOA

"Quanto mais se desenvolve a nossa faculdade de contemplar, mais se desenvolvem as nossas possibilidades de felicidade, e não por acidente, mas justamente em virtude da natureza da contemplação. Esta é preciosa por ela mesma, de modo que a felicidade, poderíamos dizer, é uma espécie de contemplação."
ARISTÓTELES, in 'Ética a Nicómaco'

"Aquilo que é o melhor para nós nem sempre é o mais fácil. Mas, em última análise, é o que realmente compensa."
JOSÉ COUTO NOGUEIRA

"E enquanto uma chora, outra ri; é a lei do mundo, meu rico senhor; é a perfeição universal. Tudo chorando seria monótono, tudo rindo, cansativo; mas uma boa distribuição de lágrimas e polcas, soluços e sarabandas, acaba por trazer à alma do mundo a variedade necessária, e faz-se o equilíbrio da vida."
MACHADO DE ASSIS, in "Quincas Borba"

"Tudo vale a pena quando a alma não é pequena."
FERNANDO PESSOA

"O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente."
FERNANDO PESSOA

"Matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma. O sonho é o que temos de realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso"
FERNANDO PESSOA

"O amor eterno é o amor impossível.
Os amores possíveis começam a morrer
no dia em que se concretizam."
EÇA DE QUEIRÓZ

" A prosa é forma de viver dos comuns mortais, a poesia é a forma de viver dos poetas, que lhe tomam a essência e a tornam possível em qualquer forma de arte"
MINHA AUTORIA

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

...E fico, pensativa, olhando o vago...



Lágrimas Ocultas


Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era q'rida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida
Que dantes tinha o rir das Primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!

sábado, 13 de fevereiro de 2010

...Valerá a pena omitir a desilusão dessa farsa?...




Carnaval


Afunda-se o destino num mar de desenganos
Riscam-se as palavras da pele e da alma
Turva-se o sorriso com os dentes apodrecidos
Masturbam-se os ideais nos bordéis da vida.

Invertem-se os caminhos no meio dos escombros
Arranca-se o sol por entre a terrível penumbra
Brinca-se ao Carnaval em cada novo Fevereiro
Sorrimos e sambamos como medo do outro dia!

E lá vai permanecendo em nós a triste sina
De fingirmos que acreditamos que isso é viver
De secarmos as lágrimas que teimam em correr.

Valerá a pena omitir a desilusão dessa farsa?
Ou vamos continuar a ver cada amanhecer
Dissolver-se no tempo que adultera o nosso crer?

Vóny Ferreira

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

...Nós trocaremos beijos ...


















Escolhi com carinho para celebrar o dia dos namorados este poema de amor

SONETO DE AMOR

Não me peças palavras, nem baladas,
Nem expressões, nem alma... Abre-me o seio,
Deixa cair as pálpebras pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.

Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas línguas se busquem, desvairadas...
E que os meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ágeis e delgadas.

E em duas bocas uma língua... — unidos,
Nós trocaremos beijos e gemidos,
Sentindo o nosso sangue misturar-se.

Depois... — abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus; não digas nada...
Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

...Não seriam cartas de amor ...



Todas as Cartas de Amor são Ridículas

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

Álvaro de Campos

...os corpos genuínos e inalteráveis do nosso amor..




Sobre um Poema

Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
- a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.

- Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
- E o poema faz-se contra o tempo e a carne.

HERBERTO HELDER

sábado, 6 de fevereiro de 2010

...sabe a lua-de-água...


















Respiro o teu corpo

Respiro o teu corpo:
sabe a lua-de-água
ao amanhecer,
sabe a cal molhada,
sabe a luz mordida,
sabe a brisa nua,
ao sangue dos rios,
sabe a rosa louca,
ao cair da noite
sabe a pedra amarga,
sabe à minha boca.

Eugénio de Andrade

...sente mais negra ainda a escuridão...




Mágoa

Eu que cheguei a ter essa alegria
de junto ao meu possuir teu coração!
Eu que julgava eterna a duração
do volutuoso amor que nos unia,


sou - apagada a última ilusão,
morto o deslumbramento em que vivia,
- um cego que ao lembrar a luz do dia
sente mais negra ainda a escuridão.

Tu me deste a ventura mais perfeita,
perdi-a e dei-te a chama insastisfeita
dessa imensa paixão com que te quis...

Hoje, o que eu sinto, inútil, revoltada,
não é mágoa de ser desgraçada,
- é pena de ter sido tão feliz.

Vigínia Victorino