terça-feira, 22 de dezembro de 2009

...Natal Natal (diziam). E acontecia.



NATAL
Acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Era gente a correr pela música acima.
Uma onda uma festa. Palavras a saltar.

Eram carpas ou mãos. Um soluço uma rima.
Guitarras guitarras. Ou talvez mar.
E acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.

Na tua boca. No teu rosto. No teu corpo acontecia.
No teu ritmo nos teus ritos.
No teu sono nos teus gestos. (Liturgia liturgia).
Nos teus gritos. Nos teus olhos quase aflitos.
E nos silêncios infinitos. Na tua noite e no teu dia.
No teu sol acontecia.

Era um sopro. Era um salmo. (Nostalgia nostalgia).
Todo o tempo num só tempo: andamento
de poesia. Era um susto. Ou sobressalto. E acontecia.
Na cidade lavada pela chuva. Em cada curva
acontecia. E em cada acaso. Como um pouco de água turva
na cidade agitada pelo vento.

Natal Natal (diziam). E acontecia.
Como se fosse na palavra a rosa brava
acontecia. E era Dezembro que floria.
Era um vulcão. E no teu corpo a flor e a lava.
E era na lava a rosa e a palavra.
Todo o tempo num só tempo: nascimento de poesia.

Manuel Alegre

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

...em ti percorro cavalo à solta...



Cavalo à solta

Minha laranja amarga e doce
meu poema
feito de gomos de saudade
minha pena
pesada e leve
secreta e pura
minha passagem para o breve breve
instante da loucura.

Minha ousadia
meu galope
minha rédea
meu potro doido
minha chama
minha réstia
de luz intensa
de voz aberta
minha denúncia do que pensa
do que sente a gente certa.

Em ti respiro
em ti eu provo
por ti consigo
esta força que de novo
em ti persigo
em ti percorro
cavalo à solta
pela margem do teu corpo.

Minha alegria
minha amargura
minha coragem de correr contra a ternura.

Por isso digo
canção castigo
amêndoa travo corpo alma amante amigo
por isso canto
por isso digo
alpendre casa cama arca do meu trigo.

Meu desafio
minha aventura
minha coragem de correr contra a ternura.

José Carlos Ary dos Santos

terça-feira, 3 de novembro de 2009

...castelos,como névoa distante que se esfuma...



Perdi os Meus Fantásticos Castelos

Perdi meus fantásticos castelos
Como névoa distante que se esfuma...
Quis vencer, quis lutar, quis defendê-los:
Quebrei as minhas lanças uma a uma!

Perdi minhas galeras entre os gelos
Que se afundaram sobre um mar de bruma...
- Tantos escolhos! Quem podia vê-los? –
Deitei-me ao mar e não salvei nenhuma!

Perdi a minha taça, o meu anel,
A minha cota de aço, o meu corcel,
Perdi meu elmo de ouro e pedrarias...

Sobem-me aos lábios súplicas estranhas...
Sobre o meu coração pesam montanhas...
Olho assombrada as minhas mãos vazias...

Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas"

terça-feira, 13 de outubro de 2009

...Súbito voa, pelos ares fende...



A cor da rosa

Alvejava de neve outrora a rosa,
Nem como agora, doce recendia;
Baixo voava Amor sem tento um dia,
E na rama espinhosa
De sua flor virgínea se feria.
Do sangue divina! gota amorosa
Da ligeira ferida lhe corria,
E as flores da roseira onde caía
Tomavam do encarnado a cor lustrosa.
Agora formosa
A rúbida flor
Recorda de Amor
A chaga ditosa.

Para os braços da mãe voou chorando;
Um beijo lhe acalmou penas e ardores:
E tão doce o remédio achou das dores,
Que Amor só desejou de quando em quando
Que assim penando,
Com seus clamores
Novos favores
Fosse alcançando.

Súbito voa, pelos ares fende;
As rosas viu de sua dor trajadas,
E que só de suas glórias namoradas
Nada dissessem com razão se ofende:

A mão lhe estende,
E delicioso
Cheiro amoroso
Nelas recende.

Vós que as rosas gentis buscais, amantes,
Nos jardins do prazer,
E, em vez da flor, espinhos penetrantes
Só chegais acolher,
Resignados sofrei, sede constantes,
Que a desventura,
Que a mágoa e dor
Sempre em doçura
Converte Amor.


Almeida Garrett

terça-feira, 22 de setembro de 2009

...E assim sombrio te vislumbro..


Outono
...E assim sombrio te vislumbro..
Belo mas tenebroso
tais pinceladas de autor célebre...
a chuva mansa
o olhar cativo
o estalar mortiço sob os pés
a brisa morna
às vezes fria
a solidão...!

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

...Algum bosque medonho e carregado,...


Onde acharei lugar tão apartado

Luís Vaz de Camões
Onde acharei lugar tão apartado
E tão isento em tudo da ventura,
Que, não digo eu de humana criatura,
Mas nem de feras seja frequentado?

Algum bosque medonho e carregado,
Ou selva solitária, triste e escura,
Sem fonte clara ou plácida verdura,
Enfim, lugar conforme a meu cuidado?

Porque ali, nas entranhas dos penedos,
Em vida morto, sepultado em vida,
Me queixe copiosa e livremente;

Que, pois a minha pena é sem medida,
Ali triste serei em dias ledos
E dias tristes me farão contente.

Luís Vaz de Camões

sábado, 22 de agosto de 2009

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

..num tempo doce coisa amar. E mar.



Coisa Amar

Contar-te longamente as perigosas
coisas do mar. Contar-te o amor ardente
e as ilhas que só há no verbo amar.
Contar-te longamente longamente.

Amor ardente. Amor ardente. E mar.
Contar-te longamente as misteriosas
maravilhas do verbo navegar.
E mar. Amar: as coisas perigosas.

Contar-te longamente que já foi
num tempo doce coisa amar. E mar.
Contar-te longamente como doi

desembarcar nas ilhas misteriosas.
Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas.

Manuel Alegre

terça-feira, 18 de agosto de 2009

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Férias

As merecidas férias chegaram.Voltarei em breve com mais novidades. Beijinhos para todos.

sábado, 25 de julho de 2009

Direitos das mulheres/ Queimada Viva e Mutilada



Sabemos que há países em que nascer mulher significa maldição.Tradições bárbaras, espancamentos e outros rituais em que a vida da mulher nada vale.Eis o exemplo transcrito nestes dois livros que li e que aconselho para uma melhor tomada de consciência do mundo.Temos de colocar um basta nestas situações e deixar que essas mulheres vivam alegres e felizes na sua condição feminina e em pleno com a sua natureza.


sexta-feira, 24 de julho de 2009

...E me prendesses toda nos teus braços...



Se tu viesses ver-me...


Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,

A essa hora dos mágicos cansaços,

Quando a noite de manso se avizinha,

E me prendesses toda nos teus braços...


Quando me lembra: esse sabor que tinha

A tua boca... o eco dos teus passos..

.O teu riso de fonte... os teus abraços...

Os teus beijos... a tua mão na minha..


.Se tu viesses quando, linda e louca,

Traça as linhas dulcíssimas dum beijo

E é de seda vermelha e canta e ri


E é como um cravo ao sol a minha boca...

Quando os olhos se me cerram de desejo...

E os meus braços se estendem para ti...


quarta-feira, 22 de julho de 2009

..de que afinal um roseiral florido..

Soneto
Se, para possuir o que me é dado,
Tudo perdi e eu própio andei perdido,
Se, para ver o que hoje é realizado,
Cheguei a ser negado e combatido.


Se, para estar agora apaixonado,
Foi necessário andar desiludido,
Alegra-me sentir que fui odiado
Na certeza imortal de ter vencido!


Porque, depois de tantas cicatrizes,
Só se encontra sabor apetecido
Àquilo que nos fez ser infelizes!


E assim cheguei à luz de um pensamento
De que afinal um roseiral florido
Vive de um triste e oculto movimento


António Botto

terça-feira, 21 de julho de 2009

...alastra na sombra...

Entre os teus lábios

é que a loucura acode,

desce à garganta,

invade a água.

No teu peito

é que o pólen do fogo

se junta à nascente

alastra na sombra.

Nos teus flancos

é que a fonte começa

a ser rio de abelhas,

rumor de tigre.

Da cintura aos joelhos

é que a areia queima,

o sol é secreto,

cego o silêncio.

Deita-te comigo.

Ilumina meus vidros.

Entre lábios e lábios

toda a música é minha.

Eugénio de Andrade

sábado, 18 de julho de 2009


Olá
Desejo a todos os leitores deste blog um óptimo fim de semana ou óptimas férias se for o caso.
Boas leituras e muito divertimento,claro!

quinta-feira, 16 de julho de 2009

...Há dias de imensa paz deserta;...



Desencontro


Só quem procura sabe como há dias de imensa paz deserta;

pelas ruas a luz perpassa dividida em duas:

a luz que pousa nas paredes frias,

outra que oscila desenhando estrias

nos corpos ascendentes como luas suspensas,

vagas, deslizantes, nuas, alheias, recortadas e sombrias.

E nada coexiste.

Nenhum gesto a um gesto corresponde;

olhar nenhum perfura a placidez,

como de incesto, de procurar em vão;

em vão desponta a solidão sem fim,

sem nome algum

que mesmo o que se encontra não se encontra.


Jorge de Sena, in 'Post-Scriptum'

sábado, 11 de julho de 2009

..verteu-se num charco triste....


A noite foi como chuva...

Chorou,chorou,chorou...Verteu-se num charco triste de lama...frio e só!

Pela madrugada foi o sol que a secou!

Dessa noite chorosa nem uma gota ficou!

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Hoje acordei mais sensível!
A poesia emerge a cada suspiro de vida, a cada emoção que transmito.Olho em redor e observo atenta, o doce chilreio das aves, o olhar enternecedor de uma criança,...Piso o asafalto inerte e quente do estio,com brandos passos...Perseguem-me flashes da memória....Dor!As perdas...outras dississitudes! Hoje estou assim,neste gesto incessante de procura nas palavras o concreto dos sentimentos!

sexta-feira, 3 de julho de 2009

...como doces águas de riacho lento..

Eras tu!


Eras tu!
Quando olhei o mar vi teu olhos
na bruma teu leito jasmin
na lua a suave nudez do teu corpo
Quando olhei o céu estavas lá
estrela brilhante de diamantes
plenitude infinita de leveza
Eras tu!
Quando olhei a natureza estavas lá
quão delicada rosa, rosa!
Tal trigo dourado no horizonte
como doces águas de riacho lento...
como beijo rasgado que amaruja,
nesse mar do navio que o embala
Sim,
Eras tu!

quinta-feira, 2 de julho de 2009

...Vais por caminhos de bruma...

Nuvens correndo num rio
Nuvens correndo num rio
Quem sabe onde vão parar?
Fantasma do meu navio
Não corras, vai devagar!
Vais por caminhos de bruma
Que são caminhos de olvido.
Não queiras, ó meu navio,
Ser um navio perdido.
Sonhos içados ao vento
Querem estrelas varejar!
Velas do meu pensamento
Aonde me quereis levar?
Não corras, ó meu navio
Navega mais devagar,
Que nuvens correndo em rio,
Quem sabe onde vão parar?
Que este destino em que venho
É uma troça tão triste;
Um navio que não tenho
Num rio que não existe.


Natália Correia

...Tenho o verde secreto dos teus olhos..




A meu favor

Tenho o verde secreto dos teus olhos

Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor

O tapete que vai partir para o infinito

Esta noite ou uma noite qualquer

A meu favor

As paredes que insultam devagar

Certo refúgio acima do murmúrio

Que da vida corrente teime em vir

O barco escondido pela folhagem

O jardim onde a aventura recomeça.



Alexandre O'Neill

....Se houvesse degraus na terra...




Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu,
eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.
No céu podia tecer uma nuvem toda negra.
E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,
e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.
Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se,
levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.
Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra,
e a fímbria do mar, e o meio do mar,
e vermelhas se volveram as asas da águia
que desceu para beber,
e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.
Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.
Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.
Correram os rapazes à procura da espada,
e as raparigas correram à procura da mantilha,
e correram, correram as crianças à procura da maçã.



Herberto Helder

sábado, 13 de junho de 2009

...Há palavras que nos beijam...

parapeito.blogs.sapo.pt/arquivo/393293.html
Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.
Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.
De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.
(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)
Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.

Alexandre O'Neill

terça-feira, 9 de junho de 2009

Que me quereis, perpétuas saudades?...


Que me quereis, perpétuas saudades?
Que me quereis, perpétuas saudades?
Com que esperança inda me enganais?
Que o tempo que se vai não torna mais,
E se torna, não tornam as idades.
Razão é já, ó anos, que vos vades,
Porque estes tão ligeiros que passais,
Nem todos pera um gosto são iguais,
Nem sempre são conformes as vontades.
Aquilo a que já quis é tão mudado,
Que quase é outra cousa, porque os dias
Têm o primeiro gosto já danado.
Esperanças de novas alegrias
Não mas deixa a Fortuna e o Tempo errado,
Que do contentamento são espias.

Luís de Camões

...Que trazem os meus presos, endoidados!...

imagem retirada:blogdaloura.blogs.sapo/9008.html.pt

Teus olhos (8/7/96)

Teus olhos
Olhos do meu Amor! Infantes loiros
Que trazem os meus presos, endoidados!
Neles deixei, um dia, os meus tesoiros:
Meus anéis, minhas rendas, meus brocados.
Neles ficaram meus palácios moiros,
Meus carros de combate, destroçados,
Os meus diamantes, todos os meus oiros
Que trouxe d'Além-Mundos ignorados!
Olhos do meu Amor! Fontes... cisternas...
Enigmáticas campas medievais...
Jardins de Espanha... catedrais eternas...
Berço vindo do Céu à minha porta...
Ó meu leito de núpcias irreais!...
Meu sumptuoso túmulo de morta!...

Florbela Espanca

sábado, 6 de junho de 2009

...Olhando o mar, sonho sem ter de quê....

Imagem retirada em.
http://ninfadechocolatebranco.blogspot.com/
Olhando o mar, sonho sem ter de quê
Olhando o mar, sonho sem ter de quê.
Nada no mar, salvo o ser mar, se vê.
Mas de se nada ver quanto a alma sonha!
De que me servem a verdade e a fé?Ver claro!
Quantos, que fatais erramos,
Em ruas ou em estradas ou sob ramos,
Temos esta certeza e sempre e em tudo
Sonhamos e sonhamos e sonhamos.
As árvores longínquas da floresta
Parecem, por longínquas, 'star em festa.
Quanto acontece porque se não vê!
Mas do que há pouco ou não há o mesmo resta.
Se tive amores? Já não sei se os tive.
Quem ontem fui já hoje em mim não vive.
Bebe, que tudo é líquido e embriaga,
E a vida morre enquanto o ser revive.
Colhes rosas? Que colhes, se hão-de ser
Motivos coloridos de morrer?
Mas colhe rosas.
Porque não colhê-las
Se te agrada e tudo é deixar de o haver?

Fernando Pessoa

Delicadeza,angelicalidade,perfeição...


...Rasga-lhe o ventre num beijo....


É Tejo no Ribatejo

Nas noites do Ribatejo
há pão e vinho na mesa
toca a guitarra a desejo
mostrando sua beleza

Saiem poetas à rua
conforme é seu ensejo
rimam o fado e o Tejo
sob a luz triste da Lua

Pelas suas margens correndo
nas lezírias onde entoa
descansa o tejo descendo
desde Espanha até Lisboa

E quando aporta em Constância
rasga-lhe o ventre num beijo
Almourol da nossa infância
do tejo, no Ribatejo!

"Poema escrito para ser cantado (fado)"

...Anjos de paz traria...


Para te agradar

Se para te agradar
tivesse que ir ao céu
ou ao fundo do mar
não me iria importar
pois teu gosto era meu!
Anjos de paz traria
do céu se encontrasse...
Também te levaria
do mar,a poesia
que então te embalasse!
Seria abelha em flôr
e adoçava-te em mel
se o amargo sabor
em teus lábios de amor
fosse o aroma do fel!
Só para te agradar
amor tudo seria
e tudo eu conseguia..
para a vida te dar
também por ti eu morria!

sexta-feira, 5 de junho de 2009


Nunca desvalorize ninguém

Guarde cada pessoa perto do seu coração

Porque um dia você pode acordar

E perceber que você perdeu um diamante

Enquanto você estava muito ocupado colecionando pedras.

...desenlacemos as mãos...



Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.

Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos

Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.(Enlaçemos as mãos).

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida

Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,

Vai para um mar muito longe, para o pé do Fado,

Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.

Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.

Mais vale saber passar silenciosamente.

E sem desassossegos grandes.


Fernando Pessoa