quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

...fico ao teu lado..


Imagem de (PedroPinto|Photography.Olhares.com)

INTERLÚDIO

As palavras estão muito ditas
e o mundo muito pensado.
Fico ao teu lado.

Não me digas que há futuro
nem passado.
Deixa o presente — claro muro
sem coisas escritas.

Deixa o presente. Não fales,
Não me expliques o presente,
pois é tudo demasiado.

Em águas de eternamente,
o cometa dos meus males
afunda, desarvorado.

Fico ao teu lado

...Aponta-me todas as coisas que há nas flores....


Não tenho ambições nem desejos.
ser poeta não é uma ambição minha.
É a minha maneira de estar sózinho.
...
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.
...
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem sabe o que é amar...
...

Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer,
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...
...

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

...trocarei os lençóis da cama por outros, mais limpos.



Não voltei a esse corpo; e não sei
se aqueles que o vestiram antes e depois
de mim souberam nele o verdadeiro calor
e lhe conheceram os perigos, os labirintos,
as pequenas feridas escondidas. Não voltarei
provavelmente a sentir a respiração
palpitante desse corpo, desse lugar onde as ondas
rebentavam sempre crespas junto do peito, do meu peito
também, às vezes.

Uma noite outro corpo virá lembrar essa maresia,
o cheiro do alecrim bruscamente arrancado à falésia.
E eu ficarei de vigília para ter a certeza de quem me recolheu,
porque os cheiros tomam os lugares parecidos, confundíveis.

Quando a manhã me deixar de novo sozinha no meu quarto
trocarei os lençóis da cama por outros, mais limpos.

sábado, 9 de outubro de 2010

...Estou flor ao vento que desflora...


SE PARTES UM DIA

Se partes um dia...Hoje vai!
Preparo a despedida desde agora
Estou flor ao vento que desflora
Sou chuva no rosto que se esvai...!

Se partes um dia...Hoje vai!
Não tardes o naufrágio...onde morro
Antes, feneci do desacorro...
Doce sinfonia...Que me trai!!!

...Como nuvem que o vento impele... e passa....


DESESPERANÇA

Vai-te na aza negra da desgraça,
Pensamento de amor, sombra d'uma hora,
Que abracei com delírio, vai-te, embora,
Como nuvem que o vento impele... e passa.

Que arrojemos de nós quem mais se abraça,
Com mais ancia, á nossa alma! e quem devora
D'essa alma o sangue, com que vigora,
Como amigo comungue á mesma taça!

Que seja sonho apenas a esperança,
Enquanto a dor eternamente assiste.
E só engano nunca a desventura!

Se era silêncio sofrer fora vingança!..
Envolve-te em ti mesma, ó alma triste,
Talvez sem esperança haja ventura!

...E d'entre a névoa e a sombra ...



CONTEMPLAÇÃO

Sonho de olhos abertos, caminhando
Não entre as formas já e as aparências,
Mas vendo a face imóvel das essências,
Entre idéias e espíritos pairando...

Que é o mundo ante mim? fumo ondeando,
Visões sem ser, fragmentos de existencias...
Uma névoa de enganos e impotências
Sobre vácuo insondável rastejando...

E d'entre a névoa e a sombra universais
Só me chega um murmúrio, feito de ais...
É a queixa, o profundíssimo gemido

Das coisas, que procuram cegamente
Na sua noite e dolorosamente
Outra luz, outro fim só pressentido...

sábado, 2 de outubro de 2010

...Louco amor meu, que quando toca, fere...

Maior amor

Maior amor nem mais estranho existe
Que o meu, que não sossega a coisa amada
E quando a sente alegre, fica triste
E se a vê descontente, dá risada.

E que só fica em paz se lhe resiste
O amado coração, e que se agrada
Mais da eterna aventura em que persiste
Que de uma vida mal aventurada.

Louco amor meu, que quando toca, fere
E quando fere vibra, mas prefere
Ferir a fenecer - e vive a esmo

Fiel à sua lei de cada instante
Desassombrado, doido, delirante
Numa paixão de tudo e de si mesmo.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Caros leitores

Retirei por um tempo a maioria dos meus poemas de minha autoria do blog.Brevemente cá estarão novamente com outra apresentação.Boas leituras.Até breve.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

...No silêncio mais fundo desta pausa...


Faleceu hoje(18 Junho)em Lanzarote o prémio Nobel da Literatura do ano 1998,José Saramago.José de Sousa Saramago de seu nome completo,nasceu na freguesia de Azinhaga Concelho da Golegã a 16 de Novembro de 1922.Foi um escritor, argumentista, jornalista, dramaturgo, contista, romancista e poeta português.
Ganhou ainda o Prémio Camões, o mais importante prémio literário da língua portuguesa. Saramago foi considerado o responsável pelo efectivo reconhecimento internacional da prosa em língua portuguesa.
Aqui fica uma simbólica homenagem com um lindo poema do autor.


Intimidade

No coração da mina mais secreta,
No interior do fruto mais distante,
Na vibração da nota mais discreta,
No búzio mais convolto e ressoante,

Na camada mais densa da pintura,
Na veia que no corpo mais nos sonde,
Na palavra que diga mais brandura,
Na raiz que mais desce, mais esconde,

No silêncio mais fundo desta pausa,
Em que a vida se fez perenidade,
Procuro a tua mão, decifro a causa
De querer e não crer, final, intimidade.

José Saramago, in "Os Poemas Possíveis"

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Golegã...Terra de toiros e cavalos...

Poema dedicado ao Exmº Sr.Presidente da Câmara Municipal da Golegã, Dr. José Veiga Maltez, que tem sido uma figura ilustre e de destaque neste Concelho,pelo que tem feito em nome do progresso, competitividade, cultura,empreendedorismo e procurado com a inteligência e dedicação que lhe é peculiar, levar este lindo Concelho, além fronteiras, pelos melhores motivos!
Aqui fica o meu apreço e agradecimento.

Fotografia de Emílio Biel >


Golegã

Golegã destes meus sonhos
tens o verde da esperança
dos meus sonhos de criança
que espraiam no teu olhar...
és história colorida,...
..A garça de puro branco!

Baila o teu ventre em trigais
dourados,inebriantes,
entre trotes,galopantes
de uma valsa qualquer...
num erotismo pungente
na terra fértil,hilariante!

Golegã destes meus sonhos
beija-te o Tejo escarpido
por entre o verde esculpido
dos salgueiros e dos juncos...
Em anarquia constante
semblante, de cortesia...

Terra de toiros e cavalos
de gente nobre e artista
como guitarra fadista
de coração português...
És saudade que regressa
na alma do viajante...

Trago comigo o semblante
das auroras que te acordam
dos olores que me recordam
a madrugada estival
por entre a terra florida
desse sonho que é real

Tuas gentes oh Golegã
são tuas, mesmo de fora
que te levam na memória
a tradição e a garra...
Na bagagem simpatia,
no peito quente e ardente!

quinta-feira, 27 de maio de 2010

...na frescura dos lagos de nenúfares...



ESTAVAS LÁ

Surpreendentemente estava lá.

Voei na frescura dos lagos de nenúfares...

Bebi o perfume das acácias e saciei a sede de liberdade!

Desnuda, soltei-me ao vento e sacudi essa brisa, nas asas do sonho...

Voei horizontes verdes e tudo era leve e belo...

Planei as profundezas convexas do espírito e encontrei a paz...

Expectante numa serenidade ímpar estavas lá...!

terça-feira, 25 de maio de 2010

...Morro assaltando morro se me assaltas....




AS FACAS

Quatro letras nos matam quatro facas
que no corpo me gravam o teu nome.
Quatro facas amor com que me matas
sem que eu mate esta sede e esta fome.

Este amor é de guerra. (De arma branca).
Amando ataco amando contra-atacas
este amor é de sangue que não estanca.
Quatro letras nos matam quatro facas.

Armado estou de amor. E desarmado.
Morro assaltando morro se me assaltas.
E em cada assalto sou assassinado.

Quatro letras amor com que me matas.
E as facas ferem mais quando me faltas.
Quatro letras nos matam quatro facas.

...eu sou do bando,impermanente das aves friorentas ;




O ESPÍRITO

Nada a fazer amor, eu sou do bando
Impermanente das aves friorentas;
E nos galhos dos anos desbotando
Já as folhas me ofuscam macilentas;

E vou com as andorinhas. Até quando?
A vida breve não perguntes: cruentas
Rugas me humilham. Não mais em estilo brando
Ave estroina serei em mãos sedentas.

Pensa-me eterna que o eterno gera
Quem na amada o conjura. Além, mais alto,
Em ileso beiral, aí espera:

Andorinha indemne ao sobressalto
Do tempo, núncia de perene primavera.
Confia. Eu sou romântica. Não falto.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

...a gastronomia, que se alia nos sabores à elegância...



Pelas ruas estreitas espreitam as gentes por entre a festa !Expo-égua, no coração do Ribatejo,Golegã.”Capital do Cavalo”,agora pertença das fémeas...garbosa e enfeitada.
Vislumbram-se as mantas descendo pelas janelas a par das sardinheiras garridas,numa competição de beleza!
São as romarias de gente conhecida de gente diferente.A procissão do galope,as batidas das charretes e ferraduras na calçada típica ,... cavaleiros e amazonas vestidos a rigor!
Manjares soberbos, a gastronomia, que se alia nos sabores à elegância, aos odores do animal tipico....Pompa e circunstância,honrarias,...cor e movimento na lezíria rústica na noite morna convidativa!

Cartaz retirado de:http://www.cm-golega.pt/golega/NoticiasEventos/Noticias/Expoegua_2010.htm

quinta-feira, 20 de maio de 2010

...liberdade...Ainda tímida, recém saída...



Apenas costumo publicar poesia portuguesa,no entanto vou abrir uma excepção e dar-vos este lindo poema de liberdade de uma autora brasileira que desconhecia,mas que é magnífica.Escreve em português e isso é muito bom.Vale a pena ler


MINHA LIBERDADE

Dentre o que posso te oferecer

Te ofereço minha liberdade

Ainda tímida, recém saída

Do invólucro da invisibilidade

Que a mantinha prostrada

Débil , escondida

Te ofereço meus sentimentos inacabados

Ainda não burilados

Em minhas portas e janelas

Há muitas crenças abauladas

Muitas vontades

Em becos fétidos guardadas

Preciso sorver a essência da amenidade

O brilho tenaz da humildade

Não há sapiência

Na vaidade

Não há vida

Sem verdadeira serenidade

Interessa-me a alma

Despretensiosamente vestida

Quero trocar o casaco de pele

Pela blusa velha , puida

Leve e despojada

Num encontro decisivo com o nada

Calço a consciência

Com chinelos surrados

Desafrouxo os cintos apertados

Deixo os pés descalços simplesmente

Ainda que por um evaporável instante

Do meu caminhar errante

quarta-feira, 14 de abril de 2010

...é a força sem fim de duas bocas, ...

A propósito do dia do beijo,aqui fica um poema alusivo






O Beijo

Congresso de gaivotas neste céu
Como uma tampa azul cobrindo o Tejo.
Querela de aves, pios, escarcéu.
Ainda palpitante voa um beijo.

Donde teria vindo! (Não é meu...)
De algum quarto perdido no desejo?
De algum jovem amor que recebeu
Mandado de captura ou de despejo?

É uma ave estranha: colorida,
Vai batendo como a própria vida,
Um coração vermelho pelo ar.

E é a força sem fim de duas bocas,
De duas bocas que se juntam, loucas!
De inveja as gaivotas a gritar...

Alexandre O'Neill, in 'No Reino da Dinamarca'

sexta-feira, 9 de abril de 2010

...como esses rios secos,vazios...





Escrevo estas frases, vazias...
como esses rios secos,vazios...
vazias as promessas, a bondade
vazios os sentimentos, as gentes...
Escrevo estas frases à solidão,
ela ouve neste silêncio, a tristeza...
Já não há primavera nos jardins!
Morreram a esperança,...e as palavras!

... e eu chorei...















ALMA PERDIDA


Toda esta noite o rouxinol chorou,
Gemeu, rezou, gritou perdidamente!
Alma de rouxinol, alma da gente,
Tu és, talvez, alguém que se finou!

Tu és, talvez, um sonho que passou,
Que se fundiu na Dor, suavemente...
Talvez sejas a alma, a alma doente
Dalguém que quis amar e nunca amou!

Toda a noite choraste... e eu chorei
Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
Que ninguém é mais triste do que nós!

Contaste tanta coisa à noite calma,
Que eu pensei que tu eras a minh'alma
Que chorasse perdida em tua voz!...

sábado, 3 de abril de 2010

Por detrás da névoa incerta,...



MEU QUASE SEXTO SENTIDO



Por detrás da névoa incerta,

Da bruma desconcertante,

Há uma verdade encoberta,

Que é, por trás da névoa incerta,

Intemporal e constante.



Oh névoa! Oh tempo sem horas!

Oh baça visão instável!

Que mal meus olhos afloras,

Em vão transmutas, descoras...

Meu olhar é infatigável.



Quero saber-me quem sou

Para além do que pareço

Enquanto não sei e sou!

Nuvem que a mim me ocultou,

Ai! Meramente aconteço.



Com menos finalidade

De que uma folha caída

Na boca da tempestade,

Porque ele é, na verdade,

Morte a caminho da Vida;



E eu não sei donde venho

Nem sei, sequer, p'ra aonde vou.



Rompa-se a névoa encoberta!

Quero saber-me quem sou!

terça-feira, 16 de março de 2010

...E vou com as andorinhas. Até quando?..

foto http://www.eduardomoody.com.br/IMG/Andorinhas%202-2.jpg


O ESPÍRITO

Nada a fazer amor, eu sou do bando
Impermanente das aves friorentas;
E nos galhos dos anos desbotando
Já as folhas me ofuscam macilentas;

E vou com as andorinhas. Até quando?
A vida breve não perguntes: cruentas
Rugas me humilham. Não mais em estilo brando
Ave estroina serei em mãos sedentas.

Pensa-me eterna que o eterno gera
Quem na amada o conjura. Além, mais alto,
Em ileso beiral, aí espera:

Andorinha indemne ao sobressalto
Do tempo, núncia de perene primavera.
Confia. Eu sou romântica. Não falto.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Lindo poema de Herberto Hélder para todos os madeirenses


Aqui fica mais um lindo poema do autor,Herberto Helder, nascido no Funchal, ilha da Madeira, no dia 23 de Novembro de 1930.A todos os madeirenses não falte a esperança e o ânimo para reconstruir essa linda terra de flores e natureza ímpar.


EM SILÊNCIO DESCOBRI ESSA CIDADE NO MAPA

Em silêncio descobri essa cidade no mapa
a toda a velocidade: gota
sombria. Descobri as poeiras que batiam
como peixes no sangue.
A toda a velocidade, em silêncio, no mapa -
como se descobre uma letra
de outra cor no meio das folhas,
estremecendo nos olmos, em silêncio. Gota
sombria num girassol. -
essa letra, essa cidade em silêncio,
batendo como sangue.

Era a minha cidade ao norte do mapa,
numa velocidade chamada
mundo sombrio. Seus peixes estremeciam
como letras no alto das folhas,
poeiras de outra cor: girassol que se descobre
como uma gota no mundo.
Descobri essa cidade, aplainando tábuas
lentas como rosas vigiadas
pelas letras dos espinhos. Era em silêncio
como uma gota
de seiva lenta numa tábua aplainada.

Descobri que tinha asas como uma pêra
que desce. E a essa velocidade
voava para mim aquela cidade do mapa.
Eu batia como os peixes batendo
dentro do sangue - peixes
em silêncio, cheios de folhas. Eu escrevia,
aplainando na tábua
todo o meu silêncio. E a seiva
sombria vinha escorrendo do mapa
desse girassol, no mapa
do mundo. Na sombra do sangue, estremecendo
como as letras nas folhas
de outra cor.

Cidade que aperto, batendo as asas - ela -
no ar do mapa. E que aperto
contra quanto, estremecendo em mim com folhas,
escrevo no mundo.
Que aperto com o amor sombrio contra
mim: peixes de grande velocidade,
letra monumental descoberta entre poeiras.
E que eu amo lentamente até ao fim
da tábua por onde escorre
em silêncio aplainado noutra cor:
como uma pêra voando,
um girassol do mundo.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Pensamentos e Reflexões de autores portugueses























"Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida. A música embala, as artes visuais animam, as artes vivas (como a dança e a arte de representar) entretêm. A primeira, porém, afasta-se da vida por fazer dela um sono; as segundas, contudo, não se afastam da vida - umas porque usam de fórmulas visíveis e portanto vitais, outras porque vivem da mesma vida humana. Não é o caso da literatura. Essa simula a vida. Um romance é uma história do que nunca foi e um drama é um romance dado sem narrativa. Um poema é a expressão de ideias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso."
FERNANDO PESSOA

"Quanto mais se desenvolve a nossa faculdade de contemplar, mais se desenvolvem as nossas possibilidades de felicidade, e não por acidente, mas justamente em virtude da natureza da contemplação. Esta é preciosa por ela mesma, de modo que a felicidade, poderíamos dizer, é uma espécie de contemplação."
ARISTÓTELES, in 'Ética a Nicómaco'

"Aquilo que é o melhor para nós nem sempre é o mais fácil. Mas, em última análise, é o que realmente compensa."
JOSÉ COUTO NOGUEIRA

"E enquanto uma chora, outra ri; é a lei do mundo, meu rico senhor; é a perfeição universal. Tudo chorando seria monótono, tudo rindo, cansativo; mas uma boa distribuição de lágrimas e polcas, soluços e sarabandas, acaba por trazer à alma do mundo a variedade necessária, e faz-se o equilíbrio da vida."
MACHADO DE ASSIS, in "Quincas Borba"

"Tudo vale a pena quando a alma não é pequena."
FERNANDO PESSOA

"O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente."
FERNANDO PESSOA

"Matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma. O sonho é o que temos de realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso"
FERNANDO PESSOA

"O amor eterno é o amor impossível.
Os amores possíveis começam a morrer
no dia em que se concretizam."
EÇA DE QUEIRÓZ

" A prosa é forma de viver dos comuns mortais, a poesia é a forma de viver dos poetas, que lhe tomam a essência e a tornam possível em qualquer forma de arte"
MINHA AUTORIA

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

...E fico, pensativa, olhando o vago...



Lágrimas Ocultas


Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era q'rida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida
Que dantes tinha o rir das Primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!

sábado, 13 de fevereiro de 2010

...Valerá a pena omitir a desilusão dessa farsa?...




Carnaval


Afunda-se o destino num mar de desenganos
Riscam-se as palavras da pele e da alma
Turva-se o sorriso com os dentes apodrecidos
Masturbam-se os ideais nos bordéis da vida.

Invertem-se os caminhos no meio dos escombros
Arranca-se o sol por entre a terrível penumbra
Brinca-se ao Carnaval em cada novo Fevereiro
Sorrimos e sambamos como medo do outro dia!

E lá vai permanecendo em nós a triste sina
De fingirmos que acreditamos que isso é viver
De secarmos as lágrimas que teimam em correr.

Valerá a pena omitir a desilusão dessa farsa?
Ou vamos continuar a ver cada amanhecer
Dissolver-se no tempo que adultera o nosso crer?

Vóny Ferreira

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

...Nós trocaremos beijos ...


















Escolhi com carinho para celebrar o dia dos namorados este poema de amor

SONETO DE AMOR

Não me peças palavras, nem baladas,
Nem expressões, nem alma... Abre-me o seio,
Deixa cair as pálpebras pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.

Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas línguas se busquem, desvairadas...
E que os meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ágeis e delgadas.

E em duas bocas uma língua... — unidos,
Nós trocaremos beijos e gemidos,
Sentindo o nosso sangue misturar-se.

Depois... — abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus; não digas nada...
Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

...Não seriam cartas de amor ...



Todas as Cartas de Amor são Ridículas

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

Álvaro de Campos

...os corpos genuínos e inalteráveis do nosso amor..




Sobre um Poema

Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
- a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.

- Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
- E o poema faz-se contra o tempo e a carne.

HERBERTO HELDER

sábado, 6 de fevereiro de 2010

...sabe a lua-de-água...


















Respiro o teu corpo

Respiro o teu corpo:
sabe a lua-de-água
ao amanhecer,
sabe a cal molhada,
sabe a luz mordida,
sabe a brisa nua,
ao sangue dos rios,
sabe a rosa louca,
ao cair da noite
sabe a pedra amarga,
sabe à minha boca.

Eugénio de Andrade

...sente mais negra ainda a escuridão...




Mágoa

Eu que cheguei a ter essa alegria
de junto ao meu possuir teu coração!
Eu que julgava eterna a duração
do volutuoso amor que nos unia,


sou - apagada a última ilusão,
morto o deslumbramento em que vivia,
- um cego que ao lembrar a luz do dia
sente mais negra ainda a escuridão.

Tu me deste a ventura mais perfeita,
perdi-a e dei-te a chama insastisfeita
dessa imensa paixão com que te quis...

Hoje, o que eu sinto, inútil, revoltada,
não é mágoa de ser desgraçada,
- é pena de ter sido tão feliz.

Vigínia Victorino

sábado, 30 de janeiro de 2010

...Por uma lágrima tua...me deixaria matar...



LÁGRIMA

Cheia de penas
Cheia de penas me deito
E com mais penas
Com mais penas me levanto
No meu peito
Ja me ficou no meu peito
Este jeito
O jeito de querer tanto

Desespero
Tenho por meu desespero
Dentro de mim
Dentro de mim o castigo
Eu nao te quero
Eu digo que nao te quero
E de noite
De noite sonho contigo

Se considero
Que um dia hei-de morrer
No desespero
Que tenho de te nao ver
Estendo o meu xaile
Estendo o meu xaile no chao
Estendo o meu xaile
E deixo-me adormecer

Se eu soubesse
Se eu soubesse que morrendo
Tu me havias
Tu me havias de chorar
Por uma lagrima
Por uma lagrima tua
Que alegria
Me deixaria matar

Amalia Rodrigues/Carlos Gonçalves

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

...Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde...


Estrela da Tarde

Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca, tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste na tarde tal rosa tardia

Quando nós nos olhámos tardámos no beijo que a boca pedia

E na tarde ficámos unidos ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia
Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia

Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza

Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram
Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram

Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles que à noite amando se deram
E entre os braços da noite de tanto se amarem, vivendo morreram

Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo e acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto

Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto!


José Carlos Ary dos Santos

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

...veio o vento desfolhá-las...



Floriram por Engano as Rosas Bravas

Floriram por engano as rosas bravas
No inverno: veio o vento desfolhá-las...
Em que cismas, meu bem? Porque me calas
As vozes com que há pouco me enganavas?
Castelos doidos! Tão cedo caístes!...
Onde vamos, alheio o pensamento,
De mãos dadas? Teus olhos, que um momento
Perscrutaram nos meus, como vão tristes!
E sobre nós cai nupcial a neve,
Surda, em triunfo, pétalas, de leve
Juncando o chão, na acrópole de gelos...
Em redor do teu vulto é como um véu!
Quem as esparze _quanta flor! _do céu,
Sobre nós dois, sobre os nossos cabelos?

Camilo Pessanha, in 'Clepsidra'

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

...Onde o Sol, bem de todos, lhe é vedado,...



Quantas vezes, Amor, me tens ferido?

Quantas vezes, Amor, me tens ferido?
Quantas vezes, Razão, me tens curado?
Quão fácil de um estado a outro estado
O mortal sem querer é conduzido!
Quantas vezes, Amor, me tens ferido?

Tal, que em grau venerando, alto e luzido,
Como que até regia a mão do fado,
Onde o Sol, bem de todos, lhe é vedado,
Depois com ferros vis se vê cingido:

Para que o nosso orgulho as asas corte,
Que variedade inclui esta medida,
Este intervalo da existência à morte!

Travam-se gosto, e dor; sossego e lida;
É lei da natureza, é lei da sorte,
Que seja o mal e o bem matiz da vida.

Bocage